3 agosto

Vivenciamos, durante o ano de 2015, principalmente após a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, em 31 de março de 2015, a intensificação do debate acerca da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Os defensores da proposta têm encontrado amplos espaços na grande mídia para apresentar seus argumentos, muitas vezes, baseados no sensacionalismo e na criminalização da vulnerabilidade. O debate em torno da questão na Câmara Federal tem sido tumultuado e, após uma primeira votação na qual a emenda constitucional não atingiu dois terços dos votos, foi, no dia seguinte, apreciada novamente e, desta vez, aprovada em primeiro turno, num processo que vem sendo questionado pelas forças políticas progressistas do país.

De acordo com dados do SIM/Datasus, do Ministério da Saúde (2012), 56.357 brasileiros são vítimas de homicídio a cada ano no Brasil. Desse total, 52,63% são jovens e adolescentes – e dentro deste universo, 77% são negros, sendo 93% do sexo masculino. O “Mapa do Encarceramento: os jovens do Brasil”, relatório divulgado pela Secretaria-Geral da Presidência da República em 03 de junho de 2015, afirma ainda que duas em cada três pessoas presas no País são negras.

O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), em outubro de 2014, em relação a esses mesmos dados, apresenta uma projeção de que pelo menos 36.735 brasileiros entre 12 e 18 anos serão assassinados até 2016, em sua maioria por armas de fogo.

52,63% das vítimas de homicídio são jovens e adolescentes, destes, 77% são negros e 93% do sexo masculino.

O Brasil conta hoje, aproximadamente, com 21 milhões de habitantes nessa faixa etária; e desse total, de acordo com o já citado relatório da Secretaria-Geral da Presidência, apenas 0,013% cometeram atos contra a vida. Dado este que faz vacilar os argumentos segundo os quais a redução da maioridade penal combateria a violência e coibiria a prática de crimes que atentam contra a vida humana. Não se trata de negar a violência instaurada na sociedade, brasileira, mas, sim, de buscar soluções que não passem pela culpabilização das principais vítimas desse fenômeno social.

Nossa sociedade deu um passo significativo rumo à construção de um processo de educação para a liberdade quando, em 1990, promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Tal documento, reconhecido mundialmente como um avanço histórico na elaboração de políticas públicas em defesa dos direitos – e reconhecimento dos deveres – das crianças e adolescentes, estabelece as medidas socioeducativas que têm como objetivo contribuir para que possam se responsabilizar pelos atos, prevendo desde o reparo de possíveis danos causados até o acautelamento por um período que pode chegar a três anos. As medidas engendram uma finalidade pedagógica e decorrem do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o sujeito adolescente.

É preciso reconhecer que o ECA ainda não foi aplicado na sua totalidade; que são grandes os empecilhos encontrados na organização dos Conselhos Tutelares e Conselhos de Defesa da Criança e do Adolescente; que as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social precisam ser acompanhadas e orientadas para que possam crescer como cidadãos e cidadãs, como sujeitos livres e autônomos – o que poderá ser alcançado a partir da oferta cultural realizada, acima de tudo, pela educação.

Considerar o adolescente em conflito com a lei como um sintoma social significa uma forma de se eximir da responsabilidade implicada nesta construção. Assumir o desafio de educar é, fundamentalmente, assumir nossa responsabilidade diante do mundo.

Assumir o desafio de educar é, fundamentalmente, assumir nossa responsabilidade diante do mundo.

De acordo com Hannah Arendt, a educação é o ponto no qual decidimos se amamos nossas crianças o suficiente para não as abandonar aos seus próprios recursos. E, como destacado por Michel Focault, “vigiar e punir” é o princípio que se opõe à educação para a liberdade,fomentando a construção de uma sociedade baseada na violência, no medo e na vingança, em detrimento da justiça.A educação para a liberdade é o desafio a ser assumido por todos aqueles e aquelas que querem a construção de uma sociedade justa e igualitária.

O Programa Institucional de Extensão “Direitos das Crianças e dos Adolescentes”, da Universidade do Estado de Minas Gerais, quer assumir essa responsabilidade diante do mundo. E afirmar que a construção de uma sociedade justa e igualitária requer, sem dúvida, o compromisso com a educação das crianças e adolescentes, reconhecidos como sujeitos de direitos, de deveres e de desejos; seres humanos que aspiram à liberdade, vozes que precisam ser ouvidas.

É preciso reconhecer que uma sociedade que teme suas próprias crianças, seguramente caminha em direção à barbárie. E que encarcerar nossas crianças e adolescentes é atestar nossa incapacidade de educar.

Alessandra Vieira

José Heleno Ferreira

Lenir Rosa André

Libéria Neves

Coordenação do Programa Institucional de Extensão

“Direitos das Crianças e dos Adolescentes” – UEMG

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